Fabrício Medeiros
Os meios de comunicação de massa sempre foram e continuarão sendo instrumentos fundamentais para a consolidação da democracia, constituindo-se numa das mais importantes ferramentas de divulgação de ideias e de opiniões utilizadas pelos partidos políticos e candidatos, especialmente durante as campanhas eleitorais. Ninguém mais ignora que as plataformas digitais, em especial as redes sociais, passaram a assumir um papel central nas estratégias de publicidade visando à conquista da simpatia do eleitorado, reduzindo significativamente a importância, em certas regiões, das mais tradicionais formas de propaganda como a mídia impressa, o rádio e a televisão.
O exponencial crescimento do uso das redes sociais terminou modificando o papel dos algoritmos por elas utilizados, transformando-os em pujantes filtros de conteúdo personalizado para cada usuário, potencializando, assim, a criação de verdadeiras bolhas geradoras de grande fragmentação e de acirrada polarização de opiniões. Como consequência, assiste-se a um empobrecimento do debate na arena pública virtual pela desintegração de um ambiente que deveria ser naturalmente diversificado e, ao mesmo tempo, favorecedor da livre circulação de ideias e opiniões, fundamentais para a formação de um consenso.
Como se não bastasse, o uso abusivo e desregulado de um algoritmo social, ou seja, de um agente de software que se comunica de forma autônoma nas mídias sociais, pode se transmudar num portentoso mecanismo à serviço da condenável prática de difusão de notícias falsas, colaborando efetivamente com a nefasta prática de desinformar a cidadania em proporções muitas das vezes inimagináveis. No mundo, não são poucos os exemplos de ataques democráticos provocados por ameaças ou rupturas políticas apoiadas em redes de desinformação e numa massiva, constante e despudorada campanha de desconfiança nas instituições.
Parece claro, portanto, que esse novo jeito de se fazer campanhas eleitorais orientadas por dados apresenta um desafio sistêmico e institucional, o que demanda uma combinação de novas abordagens políticas e regulamentares.
Uma visão simplista desse problema conduziria à inexorável conclusão de que, em nome da defesa dos valores democráticos, poderia o Estado exigir das plataformas digitais a exibição completa e absoluta dos algoritmos que utilizam, sob pena de banimento. Contudo, os filtros de conteúdo personalizado gerados pelos algoritmos das redes sociais sustentam a sua lógica econômica, sendo a chave de sobrevivência das plataformas digitais. Daí emergir, como mais indicada, a adoção de uma solução que possa promover um ambiente virtual sadio para o debate público de qualidade sem asfixiar economicamente as redes sociais por força da compulsória abertura da lógica de funcionamento dos algoritmos que sustentam o seu negócio.
Esse cenário parece exigir uma atuação racional de vários setores, sejam eles públicos ou privados, os quais passariam a assumir um papel fundamental de monitoramento do potencial impacto da desinformação na sociedade. E, para além do rastreio dessas consequências, é também necessária a adoção de medidas preventivas que possam gerar maior responsabilidade e transparência algorítmicas por parte das redes sociais, que passariam a atuar em estreita consonância com o interesse público.
O alcance de um nível desejável dessa responsabilidade passaria, necessariamente, pela adoção de medidas que pudessem elevar a transparência no tocante à origem do financiamento, identificando o conteúdo patrocinado, especialmente quando envolvesse publicidade política, mas sobretudo pelo fornecimento de informações básicas sobre o funcionamento dos algoritmos que selecionam e exibam informações, sem que isso, no entanto, devasse a lógica que alicerça economicamente o negócio tocado pelas plataformas.
Essa abertura permitiria uma atuação colaborativa entre Estado, organizações independentes e as próprias redes sociais na tarefa de checagem de fatos, além de proporcionar uma maior compreensão sobre a aparente popularidade de influenciadores, que não raro pode estar sendo impulsionada pela maciça injeção de recursos financeiros ou ser resultado de uma manipulação artificial produzida por robôs.
O irreversível papel sociopolítico que a redes sociais passaram a assumir no contexto eleitoral e as nefastas consequências advindas da opacidade algorítmica praticada por essas mídias, força a sociedade a encontrar soluções para essa problemática já com os olhos postos no pleito de 2024. A democracia brasileira carece dessa regulação que, a um só tempo, proteja a lógica econômica das mídias sociais e assegure a supremacia do interesse público intrínseco à atividade político-partidária.
Fabrício Medeiros é advogado, professor universitário e Mestre em Direito