Em tempos de mobilidade, interatividade e hiperconexão, não seria o caminho natural pensar em digitalizar processos? Essa lógica já é uma realidade nas relações de trabalho, na busca pelo amor romântico, na forma de vender ou comprar, em consultas médicas e até nas próprias burocracias envolvendo órgãos estatais. Online, há um Pix de distância, há alguns dias de entrega via Correios, há uma foto sua de comprovação, há um encontro virtual de acontecer. Entretanto, parece que algumas decisões são mais complexas, principalmente envolvendo educação e desenvolvimento de crianças e adolescentes. Talvez a fase mais importante na formação de alguém exija mais conexão… com o mundo físico, palpável e real.
Já no segundo semestre deste ano, o Governo de São Paulo anunciou um projeto para implantar todos os livros didáticos em formato digital, nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e durante o ensino médio. Entre o 1º ao 5º ano do ensino fundamental, esse material seria digital, com suporte físico. Acontece que a Secretaria Estadual de Educação optou por não aderir ao Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), do Ministério da Educação, a partir de 2024. A exceção seriam aquelas obras destinadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Recentemente, o Governador Tarcísio de Freitas recuou parcialmente e afirmou que São Paulo também deve oferecer livros “impressos e encadernados”. Dessa maneira, ficaria a critério do aluno decidir se quer estudar por uma plataforma que promete aulas e materiais didáticos digitais, além de tarefa de casa eletrônica, ou prefere utilizar o formato impresso pela Secretaria.
Enquanto isso, na Europa, um pequeno país pioneiro na informatização da educação reage na contramão desse fluxo. Após anunciar a medida em 2022, a Suécia planeja investir cerca de 45 milhões de euros na distribuição de livros didáticos impressos ainda em 2023. Baseado em indicadores negativos, o governo sueco desistiu de seguir com a aprendizagem em modo 100% digital. Aparentemente, um passo atrás e você também já não está mais no mesmo lugar.
Alguns tópicos podem ser considerados decisivos na postura do país europeu: a queda no desempenho das crianças em leitura, dificuldade de concentração devido ao aumento de tempo de uso de telas, vícios de escrita influenciados pelo suporte do corretor automático, as possibilidades de distração nos próprios dispositivos móveis e os benefícios do livro físico para o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Em resumo, os jovens estavam mais propensos a dificuldade de comunicação, prejuízos para a saúde do sono e atrasos no desenvolvimento cognitivo. De acordo com a Agência Nacional Sueca para a Educação, questões banais como localizar uma informação nas páginas em vez de apenas “passar os olhos” pelos textos eram sentidas por professores e familiares.
Nada disso, por outro lado, significa que a introdução da tecnologia nas duas primeiras décadas de vida de um ser humano seja negativa. O amplo acesso à informação, o encurtamento de distâncias geográficas, as possibilidades de uma educação dinâmica, audiovisual e lúdica também passam pelo ambiente digital. Videoaulas, jogos online, paradidáticos em e-book, streamings de filmes e músicas podem ser aliados de quem está na linha de frente da educação ao redor do mundo. Considerando um dos principais pontos mencionados, a leitura, é preciso reconhecer que esse hábito se transformou junto com a sociedade.
A facilidade de acesso e os preços mais atrativos são uma prova de que digitalização e interesse pelos livros não são, necessariamente, uma antítese. Há quem não abra mão do toque e do cheiro dos exemplares físicos, enquanto outra parcela não quer voltar atrás da praticidade e economia de um Kindle fininho na bolsa. É possível enxergar uma alternativa de conciliação quando percebemos que nem sempre um novo hábito de leitura infantojuvenil significa desinteresse por conhecimento, mas alguma desconformidade com a prática da leitura formal impressa.
Por Maria Clara Ferreira